Interpretação da Lei Penal

A interpretação da lei penal é realizada basicamente de três formas, considerando o sujeito que interpreta, o modo usado pelo intérprete ou o resultado a que se chega por meio da interpretação.
Então, a lei penal pode ser interpretada quanto ao sujeito, ao modo e ao resultado.
Vejamos mais detalhes a seguir!

Interpretação quanto ao sujeito (origem)

Quanto ao sujeito, a interpretação da lei penal pode ser subdividida em: autêntica ou legislativa; doutrinária e jurisprudencial. Veja cada uma dela abaixo!

Interpretação autêntica ou legislativa

É fornecida pela própria lei. Como exemplo, podemos citar o art. 327 do Código Penal, que traz o conceito de funcionário público:
Art. 327 - Considera-se funcionário público, para os efeitos penais, quem, embora transitoriamente ou sem remuneração, exerce cargo, emprego ou função pública.
Veja que não há necessidade de se interpretar o conceito de funcionário público, pois a própria lei já fez esse trabalho.
A interpretação autêntica se divide em conceitual e posterior.

Interpretação conceitual

Ocorre quando o dispositivo interpretativo é editado (criado) em conjunto com a norma penal que se busca conceituar. O art. 327 do CP enquadra-se nesse conceito, pois ele foi aprovado juntamente da aprovação do próprio Código Penal.

Interpretação posterior

Ocorre quando uma lei distinta e posterior conceitua o objeto da interpretação. Ou seja, uma nova lei é criada e usada para interpretar lei anterior.

Interpretação doutrinária (científica)

É a interpretação realizada por estudiosos do Direito, os quais são chamados de doutrinadores.
Atenção: a exposição de motivos do Código Penal é considerada um exemplo de interpretação doutrinária, haja vista que foi realizada pelos doutos que trabalharam no projeto. Não é considerada interpretação legislativa.

Interpretação jurisprudencial

É a interpretação realizada pelos tribunais e pode ter caráter vinculante.


Interpretação quanto ao modo

Quanto ao modo, a interpretação da lei penal pode ser classificada como: gramatical; teleológica; histórica; sistemática e progressiva.

Gramatical, filológica ou literal

Considera o sentido literal das palavras. Em outras palavras, deve-se seguir exatamente o texto legal.

Teleológica

Busca-se analisar a intenção objetivada na lei, ou seja, a sua finalidade.
Como exemplo, cita-se o art. 1º, parágrafo único, da Lei de Crimes Hediondos, que passou a considerar hediondo o crime de de posse ou porte ilegal de arma de fogo de uso restrito, previsto no art. 16 do Estatuto do Desarmamento.
Ocorre que o parágrafo único art. 16 do Estatuto do Desarmamento prevê condutas assemelhadas ao porte e à posse de arma de fogo de uso restrito, tais como portar artefatos explosivos ou incendiários.
Diante disso, pergunta-se: as condutas assemelhadas também são consideradas crimes hediondos?
Em uma interpretação teleológica, podemos afirmar que não, pois a intenção do legislador era tornar crimes hediondos apenas o porte e a posse irregulares de arma de fogo.

Histórica

Considera e indaga a origem da lei.

Sistemática

É realizada em conjunto com a legislação em vigor e com os princípios gerais do Direito. Considera todo o sistema jurídico em vigor.

Progressiva ou produtiva

Busca o significado legal de acordo com o progresso da ciência jurídica e da humanidade. Evita a constante reforma legislativa e se destina a acompanhar as mudanças da sociedade.

Interpretação quanto ao resultado

Quanto ao resultado, a interpretação da lei penal pode ser classificada como declaratória, restritiva ou extensiva.

Declaratória

É aquela em que a letra da lei corresponde exatamente àquilo que o legislador quis dizer, sem acréscimos ou reduções.

Restritiva

A interpretação reduz o alcance das palavras da lei para corresponder à vontade do texto legal.

Extensiva

A interpretação amplia o alcance das palavras da lei para corresponder à vontade do texto legal. Esta interpretação extensiva é muito cobrada em concursos públicos.


Interpretação Sui Generis

A interpretação sui generis não está inserida nas classificações anteriores. Ela se subdivide em exofórica (fora do ordenamento normativo) e endofórica (dentro do ordenamento normativo), dependendo do conteúdo que complementa a norma em questão.

Exofórica

O prefixo -exo- significa fora. Então, na interpretação exofórica, o significado da norma não está inserido no ordenamento normativo. Como exemplo, citamos o art. 20 do Código Penal:
Art. 20 - O erro sobre elemento constitutivo do tipo legal de crime exclui o dolo, mas permite a punição por crime culposo, se previsto em lei.
O significado de tipo, descrito no art. 20, não está no ordenamento normativo, mas na doutrina. Ou seja, são os doutrinadores que explicam e conceituam o tipo.

Endofórica

O prefixo -endo- significa dentro. Por isso, na interpretação endofórica, o texto legal é interpretado por meio de outros textos do próprio ordenamento normativo.
Esta interpretação é muito usada nas normas penais em branco.
Como exemplo, citamos o crime previsto no art. 237 do Código Penal:
Art. 237 - Contrair casamento, conhecendo a existência de impedimento que lhe cause a nulidade absoluta:
Pena - detenção, de três meses a um ano.
O Código Penal não explica qual é o impedimento para casamento. Em verdade, os impedimentos para casamento estão previstos no art. 1521 do Código Civil:
Art. 1.521. Não podem casar:
I - os ascendentes com os descendentes, seja o parentesco natural ou civil;
II - os afins em linha reta;
III - o adotante com quem foi cônjuge do adotado e o adotado com quem o foi do adotante;
IV - os irmãos, unilaterais ou bilaterais, e demais colaterais, até o terceiro grau inclusive;
V - o adotado com o filho do adotante;
VI - as pessoas casadas;
VII - o cônjuge sobrevivente com o condenado por homicídio ou tentativa de homicídio contra o seu consorte.
Ou seja, o Código Penal é interpretado com o auxílio de outra norma: o Código Civil, que é uma lei presente no próprio ordenamento normativo.
Por isso, neste caso, temos uma interpretação endofórica.

Resumindo a Interpretação da Lei Penal

Como são muitos conceitos a serem assimilados, veja o quadro-resumo a seguir:
Interpretação da Lei Penal

Questões de Concursos Públicos Comentadas

Questão #01

(CESPE-2015-TJ/DFT-Analista Judiciário) Em relação à aplicação, à interpretação e à integração da lei penal, julgue o item seguinte.

No Código Penal, a exposição de motivos é exemplo de interpretação autêntica, pois é realizada no próprio texto legal.
A exposição de motivos do Código Penal é um exemplo de interpretação doutrinária e não de interpretação autêntica, pois representa a opinião dos doutrinadores que trabalharam no respectivo projeto de lei.
Gabarito: errado.

Questão #02

(FUNCAB-2013-PC/ES-Escrivão de Polícia) Pode-se afirmar que a interpretação teleológica:

a) é a realizada adaptando a lei às necessidades e concepções do presente, seguindo o progresso da humanidade.

b) é aquela em que o legislador, ao descrever uma conduta (preceito primário), prescreve hipótese exemplificativa, permitindo ao intérprete a aplicação aos casos análogos.

c) consiste em aplicar a uma hipótese não prevista em lei a disposição relativa a um caso semelhante.

d) provém do próprio órgão do qual emana a lei, podendo ser no próprio texto (contextual) ou posterior, ou seja, por meio de uma lei nova.

e) busca a vontade ou intenção objetiva da lei, valendo-se dos elementos ratio legis, sistemáticos, históricos, Direito Comparado ou Extrapenal e Ciências Extrajurídicas.
De acordo com o que estudamos acima, a interpretação teleológica busca a vontade ou intenção objetiva da lei, valendo-se dos elementos ratio legis, sistemáticos, históricos, Direito Comparado ou Extrapenal e Ciências Extrajurídicas.
Gabarito: letra E.

Questão #03

(FUMARC-PC/MG-Analista de Polícia Civil) Em relação à interpretação da norma penal, é CORRETO afirmar:

a) O Direito Penal veda o uso da interpretação analógica em desfavor do réu.

b) O resultado da interpretação da norma penal necessariamente será declarativo.

c) A interpretação autêntica vincula o entendimento dos demais intérpretes e operadores do Direito Penal.

d) A interpretação gramatical ou literal é a única admitida em matéria penal em relação às normas penais incriminadoras.
Letra a. Errada. A interpretação analógica pode ser usada em desfavor do réu. O que não pode é a analogia.

Letra b. Errada. A interpretação quanto ao resultado pode ser classificada como declaratória, restritiva ou extensiva.

Letra c. Correta. A interpretação autêntica (ou legislativa) vincula o entendimento dos demais intérpretes e operadores do Direito Penal, pois ela é realizada pela própria lei.

Letra d. Errada. A interpretação gramatical não é única admitida em matéria penal. Vimos que há várias formas de interpretação.
Gabarito: letra c.

Questão #04

(VUNESP-2018-PC/SP-Delegado de Polícia) Prescreve o art. 327 do CP: “considera-se funcionário público, para os efeitos penais, quem, embora transitoriamente ou sem remuneração, exerce cargo, emprego ou função pública.”

Tal norma traduz exemplo de interpretação

a) científica.
b) autêntica.
c) extensiva.
d) doutrinária.
e) analógica.
Como o conceito de funcionário público está na própria lei (Código Penal), estamos diante da interpretação autêntica ou legislativa.
Gabarito: letra b.

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